No Brasil, seu nome, o da Padroeira, é Nossa Senhora Aparecida. No México, de Guadalupe; na França, de Lurdes; em Portugal, de Fátima... Em cada nação toma o nome que a identifica com o seu povo e com cada uma das raças. Na África, é de feição negra; no Extremo Oriente, de cor amarela, e olhos rasgados. Os missionários europeus, quando de lá partiram, só conheciam a Madonna de seus renomados artistas com traços fisionômicos da mulher de sua gente. Como explicar esse extraordinário fenômeno de verdadeira inculturação da “imagem” da mãe de Jesus? Os filhos querem a Mãe parecida com eles. Ela pode ser de origem judia, mas, no Brasil, nós a sentimos mais próxima do nosso povo “esparramando sua cor na vida de nossa gente... que anda sem rumo... procurando terra, pão, melhores dias”.Não é uma “imagem” criada pela arte dos homens, mas trazida do fundo do Rio Paraíba pelas redes de humildes pescadores. Como se chamavam eles? O índio Juan Diego, a quem Nossa Senhora de Guadalupe se manifestou, continua cada vez mais vivo na memória dos devotos da “Mãe do céu morena” e foi beatificado pelo Papa João Paulo II. Quem não conhece Bernadete Soubiroux, filha de um pobre moleiro aldeão, a vidente de Lourdes, elevada às honras dos altares? Os três pastorinhos - Lúcia, Francisco e Jacinta - são apresentados ao mundo inteiro diante da Virgem de Fátima a aparecer-lhes na Cova da Iria; os dois videntes que morreram ainda crianças também foram beatificados por João Paulo II. E os pescadores da “imagem” de Nossa Senhora Aparecida, quem ouve falar deles e os conhece, a cada um, pelo nome?Domingos Martins Garcia, João Alves e Filipe Pedroso saíram a pescar o ganha-pão do dia. Desceram seis quilômetros rio abaixo, “sem tirar peixe algum”. Eis o que registra, em singela descrição, o 1º livro do Tombo da Paróquia de Guaratinguetá: no Porto de Itaguaçu, João Alves, lançando sua rede de rasto, “tirou o corpo da Senhora, sem cabeça; lançando mais abaixo outra vez a rede tirou a cabeça da mesma Senhora... dali por diante foi tão copiosa a pescaria em poucos lanços que, receosos de naufragarem pelo muito peixe que tinha nas canoas, os pescadores se retiraram a suas vivendas admirados desse sucesso”. Filipe Pedroso, o mais velho dos pescadores, conserva a “imagem” em sua casa por 15 anos. Seu filho Atanásio constrói um pequeno oratório onde as famílias vizinhas se reuniam para o culto semanal. A crescente afluência do povo faz construir uma capelinha e a “imagem” deixa de ser propriedade de uma família e passa a pertencer a todos os devotos que a invocam como “Senhora da Conceição Aparecida”.O culto da “imagem” nasce do povo e cresce com o povo. À beira do caminho, no porto de Itaguaçu diante dessa capelinha, passam as caravanas de viajantes com suas tropas em busca de proteção. E assim vai-se estendendo a devoção à Senhora Aparecida levada por tropeiros na direção do Sul, pelos mineradores para o Oeste, pelos sertanistas a Goiás, pelos comerciantes, no caminho das Minas Gerais, pelos transportadores do ouro na direção litorânea... Por toda parte, a Senhora Aparecida é invocada como mãe e padroeira. Forma-se assim a religiosidade de uma nação. Após 25 anos de quando a “imagem” foi achada, seu culto passa a receber a aprovação oficial da Igreja e, no dia 26 de julho de 1745, no Morro dos Coqueiros, inaugura-se a capela que se tornará o Santuário Nacional.Entre os pobres, Jesus chama os seus primeiros apóstolos. Entre os pobres, a Mãe de Jesus costuma escolher os mensageiros de suas aparições: o índio de Tepeiac, a camponesa de Lurdes, os três pastorinhos de Fátima, os três pescadores do Rio Paraíba... Ao chamar os pescadores do mar da Galileia para segui-lo, Jesus promete-lhes: “Farei de vocês pescadores de homens”. A pequenina “imagem” de terra-cota e com menos de dois palmos de altura, retirada do fundo das águas de um rio, encontra-se, hoje, entronizada, com coroa e manto de rainha, no altar-mor da Basílica Nacional. Diante dela, pagando e agradecendo promessas, retornando à fé batismal, reafirmando compromissos com o Evangelho, desfilam anualmente 7 milhões de peregrinos. Indescritível e milagrosa pesca de homens, mulheres e jovens que nos levam a pensar, de coração agradecido, nos pescadores da “imagem”.
Dom Eduardo Koaik é Bispo Emérito de Piracicaba
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